Entrevista - Conversa entre irmãos

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Data: Serro, 2001.

 

Este questionário serviu como roteiro para orientar uma “conversa entre irmãos”:

Jorge Brandão Simões (produtor de queijo e ex-Presidente e sócio fundador da Associação de Produtores Artesanais do Queijo do Serro – APAQ’s),

Guilherme Simões Neves (ex-Prefeito Municipal de Serro) e

Maria Coeli Simões Pires (autora do Livro “Memória e Arte do Queijo do Serro: O Saber sobre a Mesa”

 

São relatos sobre os ensinamentos e exemplos deixados pelo pai, Pedro Simões Neves, serrano, antigo fazendeiro e produtor de queijos no município, falecido aos 71 anos, em 1989. 

 

Grau de Escolaridade: Nosso pai não freqüentou escola formal. Estudou com professora particular na Fazenda Samambaia. Gostava de leitura e tinha obsessão pela palavra correta, para o que fazia uso permanente de dicionário. Dizia sempre que seus irmãos mais velhos tiveram oportunidade que ele não teve; chegaram a ficar no Colégio de Peçanha, mas não gostavam de estudos.

 

Até que época produziu queijo no Serro? Até 1989, quando faleceu.

 

A fazenda ainda produz queijo? Sim. A fazenda Engenho da Serra, construída na década de 40, teve sempre ativa sua queijaria. Ali nunca se interrompeu a fabricação de queijos, nem em épocas de prevalência de outras atividades produtivas, mantendo-se a técnica queijeira original, mesmo após o falecimento de nosso pai, graças ao cuidado de Jorge Brandão Simões, filho ao qual pertence atualmente a fazenda.

Como se deu a apropriação das técnicas de produção? Nosso pai dizia que a receita do queijo do Serro era uma só, mas cada fabricante punha na receita sua ciência. Dizia sempre que a receita vinha de seus antepassados, e que, a cada dia, era desafiado a superar uma nova dificuldade, ao lidar com a técnica queijeira. Lembramo-nos de uma restrição que ele fazia à dosagem de sal do queijo da Fazenda Samambaia, afirmando que, desde que a Vozinha assumira o comando das atividades, nunca mais conseguiu o tempero ideal para o produto. Por isso mesmo, muito meticuloso, cuidava para que o queijo da Fazenda do Engenho da Serra não pecasse pelo excesso.

Quais são as lembranças mais antigas e as mais marcantes relacionadas ao queijo produzido por seu pai? O queijo para nós era tratado como elemento de primeira necessidade na mesa e em todas as receitas da Fazenda. Ele fazia parte do dia-a-dia.

Há passagens, contudo, que devem ser anotadas pelo seu significado.

Na sexta-feira da Paixão, todo o leite das vacas era distribuído para os agregados, e, então, a banca de queijo ficava com as formas vazias. Não se faziam queijos naquele dia.

O inchaço ou acidez do queijo era fenômeno que mobilizava os mais entendidos no ramo, dentro da Fazenda e na redondeza, em torno de solução para o problema. Quem acompanhasse a situação podia identificá-la como a de um diagnóstico de grave doença. O exame da peça começava com palpação, com o corte do produto, degustação, análise da ambiência e utensílios de produção, da água de serventia, avaliação da saúde dos animais, verificação das condições higiênicas do curral, de coleta de ordenha e da banca, entre outras providências.

Um fato curioso era relacionado com o oferecimento de queijo para as visitas. O queijo deveria ir para a mesa, sempre inteiro, denotando deselegância e falta de cerimônia servir queijo já partido.

Outro fato interessante era a associação que se podia fazer entre o padrão de qualidade do queijo e o número de unidades dia e o status social do produtor e de toda a família. Até mesmo a altura do queijo guardava relação com o poder do produtor. Queijos graúdos eram uma representação do porte do produtor em contraposição aos famosos merendeiros produzidos com massa escassa. Falava, também, do porte e da atitude dos cavalos e bestas de montaria como indicativos do status do fazendeiro.

Seu pai chegou a fazer realmente os queijos, ou só administrava a produção? Nosso pai sempre fez queijo. Nunca, porém, assumiu o ofício sozinho. Ele sempre escolhia o camarada de sua completa afinidade para introduzir no ofício queijeiro. Empenhava-se na sua orientação quanto aos hábitos de higiene e quanto aos cuidados e persistência em prol do melhor resultado. Ele sempre dizia que quem, na fazenda, melhor deveria dominar a técnica queijeira era o fazendeiro, pois seria impossível dirigir um empreendimento no setor sem uma tal habilidade.

Com quem seu pai aprendeu a fazer queijo? Dizia ele que não se lembrava de ter sido treinado para fazer queijos. Achava mesmo que já nascera com a mão na massa. Foi na Fazenda Samambaia, ainda pequeno, que foi introduzido no ofício.

Vocês consideram o queijeiro como uma profissão ou somente uma ocupação? Consideramos o queijeiro um artista. É claro que qualquer um pode fazer queijos, observando a fórmula básica de sua preparação. Mas o queijo artesanal como o concebemos no Serro é tipo de produto que assimila até o estado de espírito do queijeiro. Dizia nosso pai que, se o queijo não fosse feito com carinho especial, ele reagia, mesmo porque, segundo ele, na composição do produto há microorganismos que agem e reagem de forma impressionante, influenciando a textura, seu sabor, seu cheiro, sua cor.

Pode-se dizer que para o ofício de queijeiro é necessário ter habilidade, quase vocação para fazer cada queijo como se fosse o único. Assim, mais que ocupação ou profissão, fazer queijo é ofício e arte.

Quais são as características do bom queijo do Serro? O bom queijo apresenta consistência firme, não cedendo quando é pressionado com os dedos; tem massa lisa, pouco sal; quando em meia cura, fica amarelado por fora e mantêm internamente a cor branca; não bóia quando jogado em um recipiente fundo com água; quando é passado na frigideira quente não emborracha, derretendo com facilidade; não esfarinha, nem embola ao ser cortado _ pode ser partido em fatias finas sem se desfazer; não tem acidez, amargo ou coalho em excesso.

Qual era o destino dos subprodutos do queijo (rala e o soro)? Os principais subprodutos do queijo eram a rala, a manteiga e o soro. Estavam sempre presentes no receituário da fazenda, usados para quitandas, farofas, cuscuz, suados, angu doce, pães de queijo, bolos, broas.

A rala era normalmente mais salgada que o queijo, razão pela qual era pouco consumida de forma direta. Em geral, a rala era compactada, ganhando a forma de rolete, bolo, ou de pequeno queijo. Era mais barata que o queijo e, assim, muitas vezes substituía o queijo na mesa das pessoas mais simples no interior. A rala era, também, distribuída para os agregados. Alguns queijeiros faziam uso de pequena porção de rala na preparação da massa para o queijo.

O soro podia ser o comum e o de vira. O primeiro era mais ralo, e o segundo apresentava um bom teor de massa. O soro de vira tinha semelhante destino da rala, sendo aplicado em receitas de bolos, broas de fubá, de angu doce. O soro comum era deixado em repouso, no cocho, para a separação da nata, que era usada para a produção da manteiga. Após colhida a nata, o soro era despejado em cochos para alimentar porcos.

A manteiga, subproduto do queijo, podia ser feita desnatando-se o leite ou o soro. No primeiro caso, a manteiga apresentava um sabor suave e destinava-se a consumo direto. No segundo caso, a manteiga trazia um sabor mais ativo, em alguns casos, até meio rançoso, e era a preferida para quitandas.

Havia algum segredo, ou truque na fabricação do queijo? Há muitos fatores que asseguram a qualidade do queijo e, embora não haja segredos, já que a receita é conhecida de todos, cada queijeiro consegue criar a sua marca de queijo. Entre os  experientes na arte queijeira do Serro, é possível associar determinados queijos aos seus produtores, pelo formato, sabor, cor, acidez, teor de gordura.

No caso específico do queijo da Fazenda Engenho da Serra, os fatores responsáveis pela qualidade do queijo são a higiene, o controle do gado leiteiro, o pingo, a qualidade da água de serventia, o zelo dos queijeiros, o controle do tempo na manipulação da massa, o processo de espremedura, habilidade em lidar com reações do queijo e a experiência no controle de bactérias.

Como o queijo era consumido? Na Fazenda Engenho da Serra, o queijo era consumido em grande quantidade. Todos apreciavam muito o produto, frescal ou meia cura, que fazia parte da mesa, como o alimento mais nobre, e da cozinha, como o principal ingrediente dos pratos e das quitandas. Era servido, em fatias, com café; picado ou ralado nas quitandas; bem curado e, também, ralado na macarronada tradicional; derretido na chapa com casca tostada; espetado no garfo e assado na brasa; picado em cubos no café quente; na jacuba; na farofa; com banana caturra; como recheio de pastéis; à milanesa ou como iguaria do prato de refeição.

Como era o relacionamento com os empregados? Havia uma ligação especial com aquele empregado que sabia fazer o bom queijo? A relação do nosso pai com os empregados era muito respeitosa, pacífica e de confiança. A amizade continua frutificando nas novas gerações.

Cada empregado da fazenda tinha papel bem definido e era valorizado com respeito ao seu próprio perfil; o queijeiro era um colaborador especial e permanecia por muito tempo no ofício. A substituição de queijeiro era rara, só ocorrendo em situações críticas de reincidência de problemas na fabricação do queijo. O queijeiro era sempre escolhido em razão das características pessoais de cuidados com o corpo, com o quarto de queijo e com o vazilhame disponibilizado.

Qualquer pessoa pode aprender a fazer queijo? Qualquer pessoa pode aprender a fazer queijos, mesmo porque não há grandes segredos em relação à técnica queijeira. O problema é que o queijo não é só receita. Ele é arte, e, assim, o queijeiro pessoaliza sua arte.

Quais são as habilidades necessárias ao bom queijeiro? As principais habilidades de um bom queijeiro são as de paciência na lida com os insumos do queijo, de cuidados enfadonhos na manipulação da massa, de meticulosa medição dos ingredientes, persistência e delicadeza na capacidade de percepção de reações mínimas do conjunto de microorganismos presentes no queijo. Outras habilidades importantes são pontualidade britânica calculada pela altura do sol, cuidados de higienização pessoal e da queijaria, capacidade de solidão para proceder ao ritual quase em retiro, de senso estético para a garantia da plasticidade do produto, vocação para o ofício, o que faz com que o queijeiro faça de cada queijo uma peça de arte, sempre igual e diferente.

Como era o relacionamento com os outros produtores? Eram amigos, ou a disputa pelo reconhecimento da qualidade do queijo era maior? O nosso pai tinha orgulho de ser fazendeiro e de ser queijeiro. Dizia sempre que ele era incapaz de pensar a fazenda sem gado e as bancas sem queijo. Admirava os companheiros fazendeiros dedicados ao queijo e achava importante a persistência de todos. Defendia, porém, que o queijo deveria ser muito mais valorizado. Ele era capaz de se referir aos queijeiros do Serro por faixas de produção e de qualidade, e elogiava vários produtores, principalmente os que conseguiam fazer a derivação de atividades rurais.

Tinha, porém, o compromisso de fazer o queijo de qualidade, de modo que nunca precisasse buscar fora de nossa fazenda o queijo para a mesa da casa.

Ele fazia questão de insistir na necessidade da prática de múltiplas atividades rurais: pecuária leiteira e de corte, criação de suínos, agricultura ativa, fabricação de cachaça e rapadura, além de atividades extrativistas monitoradas.

A produção de queijo dava lucro? Éramos uma família grande, e a fazenda representava a fonte de recursos com os quais o nosso pai garantiu a todos os filhos as condições para uma vida digna e realização de seus projetos pessoais. Cada um explorou, ao seu modo, suas possibilidades. Nunca nos faltou nada. O trabalho a tudo provia, e a fazenda nos garantia o nosso lugar na vida urbana.

Pode-se dizer que o queijo assegurava o suporte para as despesas ordinárias da família. Havia uma boa e constante produção de queijo, e não imperava o consumismo que existe hoje.

Tudo era mais simples e a satisfação dos filhos obtinha-se com um padrão social e econômico menos exigente. Os investimentos da família eram feitos a partir de apuração de partidas de porcos, da venda de lotes de criação de gado bovino, com a venda de bois-de-carro, de animais de montaria, de cachaça e rapadura, e com recursos apurados com venda de madeiras, como jacarandá, à época muito cobiçado.

Havia uma produção muito elevada de milho, arroz, feijão, café, verduras, mas nada disso era vendido. Toda colheita era partilhada com os agregados e consumida na fazenda. A fazenda funcionava efetivamente como um mundo próprio.

Seu pai, que era bom produtor, tinha respeito e admiração na cidade? Nosso pai era um bom produtor. Estabelecido no ramo, desde sempre, nunca o vimos deixar o ofício. Era, por seu próprio perfil, um homem cuidadoso, pesquisador e auto-didata. Conhecia da ciência da fazenda como um bom agrônomo, um bom veterinário e um ecologista de escola.

Orientava todo o manejo do gado, das pastagens. Lia muito, discutia política em todas as ocasiões, acompanhava as notícias importantes em processo permanente de autoatualização para a vida. Era ouvinte assíduo de rádio.

Tinha uma fala muito boa. Assistíamos diuturnamente cenas de trocas de experiência com colegas fazendeiros, com agregados e até com profissionais liberais. Era comum vê-lo ser chamado por advogados militantes em Serro para discutir questões de terra na região, por famílias a espera de orientação, e prestava sempre primeiros socorros na fazenda, numa região em que havia muita violência. Quando não era possível o deslocamento imediato de pessoas enfermas para a cidade, ele dava os primeiros cuidados, em caso de picada de cobra, fraturas, cortes de foice, desidratação, febres. Quantas vezes usou a seringa, o bisturi e outros instrumentos para salvar vidas.

Ele era, assim, muito admirado na fazenda, na cidade e em todos os lugares. Era muito querido pelos familiares de minha mãe residentes em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, sempre recebidos, com carinho, na fazenda, e pelos colegas dos filhos, em razão de seu jeito manso e de sua visão da vida.

Era uma pessoa aberta ao conhecimento e, várias vezes, participou de semanas do Fazendeiro em Viçosa, de atividades promovidas pela Cooperativa para discussão de temas rurais, etc. Ele, certamente, morreu frustrado por não ver um filho formado em medicina veterinária.

Como a produção era vendida? O queijo da fazenda foi sempre comercializado em Serro. Inicialmente, a produção era levada em cargueiros, em caixas de madeira, na fase de meia cura. Depois, era levada em jeep, em uma grande caixa de madeira adaptada na parte traseira.

Posteriormente, era uma rural o veículo para o transporte e assim por diante. Os queijos eram entregues em depósito da Cidade, até a formação da cooperativa, à qual meu pai se vinculou.

Lembram-se dos principais utensílios para a fabricação de queijo? Com qual material eles eram feitos? Os utensílios para a fabricação de queijo eram muitos simples. Latão, pá-de-leite, pano coador, balde, gamela de madeira, formas de madeira, bancas queijeira, prateleiras suspensas, cochos, medidas de coalho. A madeira preferida para bancas e formas era a peroba ou o jacarandá e, para as gamelas, gameleira.

Teve participação na Cooperativa? De que forma? Sim. Ele participou da fundação da Cooperativa e nunca deixou de fornecer-lhe os seus queijos. Achava que a Cooperativa iria chegar a um ponto de evolução que assumiria a dianteira do desenvolvimento rural em Serro.

Quais eram os mecanismos de classificação dos queijos? O critério mais singelo para separação na cooperativa era o do teste da peça no tanque d’água. O queijo extra ia ao fundo do recipiente; o de segunda parava em posição intermediária, enquanto o queijo refugado seria o que boiasse pelo excesso de gases na massa. Na fazenda, a separação já era feita pelo critério aludido, que era, também, associado a critérios externos, como tamanho, superfície, cor e fase de cura.

O que sentia um produtor que tinha o queijo classificado como de baixa qualidade? O queijeiro ficava preocupado com a situação, pois sabia que uma intervenção profunda deveria ser feita na queijaria. Sentia-se desconfortável, pois a reputação do queijo informava a do fazendeiro. Por isso mesmo, queijos fora do padrão nem chegavam a ser levados para o comércio e eram consumidos em quitandas etc. Pode-se dizer, também, que havia uma certa cumplicidade  ou solidariedade entre o queijo, o queijeiro e o camarada. Todos ficavam mal ao mesmo tempo, e a situação era compartilhada até com os vizinhos. Quando o queijo “atrapalhava”, a notícia chegava ao fazendeiro vizinho, e diagnosticar a causa era desafio coletivo.

Os produtores que faziam melhor queijo tinham mais poder na Cooperativa? Não. Do ponto de vista comercial, parece que não havia uma política de valorização do queijo de qualidade, até porque de um modo geral os queijos eram bons.

À exceção dos queijos refugados, os demais eram recebidos pelos depósitos e pelas cooperativas praticamente pelo mesmo preço. A diferenciação de preço, é claro, existia na cadeia do comércio dos mesmos, sem ganhos para os produtores.

A despeito disso, cada fazendeiro tinha  a vaidade de produzir o melhor queijo. 

Ainda mantêm contato com o Serro? Sim. A família toda tem vínculos fortes com o Serro, que continua sendo a terra da gente; morando aqui ou residindo na Capital, os nossos laços são fortes com o Serro rural.

Consomem queijo do Serro? Onde compram? Preferem o artesanal ou o pasteurizado? Sim. A família praticamente toda consome queijos produzidos na antiga fazenda do Engenho de Serra ou na Samambaia.

A família é viciada com queijo, que é consumido de todas as formas. A preferência na família é pelo queijo artesanal frescal em algumas situações e, em geral, pelo meia cura.

Que acham da qualidade do queijo do Serro hoje? A qualidade do queijo ainda é excepcional. O queijo espremido, com pouco sal e meia cura é o melhor. 

Quais fatores contribuíram para as mudanças na qualidade do queijo do Serro? A composição do solo, o clima e as pastagens, a qualidade do gado, o controle de coalho e o pingo são fatores que influenciam o sabor, daí que é importante saber a origem do queijo e as condições da fazenda produtora. O processo de decadência das queijarias vem sendo aos poucos revertido.

Acham que o queijo do Serro tem valor cultural? Sim. O queijo do Serro é fator de identidade cultural. Ele é referência da mesa dos serranos e dos mineiros. O modo artesanal de produção é peculiar, assim como a ambiência rural que o circunstancia, merecendo ambos proteção como cultura imaterial. Para nós, a decretação do valor cultural do Queijo é a formalização da reverência que sempre tivemos para com o grande figurante da cultura rural à qual pertencemos.

Já sabem que o queijo do Serro é patrimônio imaterial de MG? Sim. Participamos desse processo, desde a formulação de sua estratégia, oferecendo os subsídios técnicos para a proposição da idéia e a elaboração do dossiê oficial. Acompanhamos todos os passos e buscamos dar nossa contribuição que, explícita ou não, faz parte, para nosso orgulho, dessa conquista dos mineiros.

Qual a sua opinião sobre as mudanças no processo de fabricação do queijo artesanal para favorecer a higiene, como a exigência de uso do leite pasteurizado e dos utensílios plastificados? Somos inteiramente favoráveis à adoção de cautelas sanitárias para que o queijo não seja ameaça à saúde. Achamos que as condições de manejo do gado, o modo de manipulação dos insumos do queijo, o uso de produtos químicos na higienização e a desproporção de coalho levam à mudança de qualidade, sabor e textura do produto. O que, porém, parece ter influenciado negativamente a qualidade do queijo foi o processo de êxodo rural, do qual resultou a desvalorização das queijarias como centros produtivos da economia local. Muitas fazendas foram abandonadas e atividades queijeiras passaram a ser desenvolvidas em caráter ancilar em unidades sem tradição queijeira.

Entendemos, porém, que as medidas devem levar em conta as peculiaridades do modo de fazer artesanal. Minas e o Brasil precisam arrojar na solução conciliatória de tecnologia e cultura, como, de resto, o fazem países desenvolvidos que investem na defesa de modos de fazer tradicionais.

Pena que as medidas radicais tenham já afetado o patrimônio cultural do Serro, pela imposição de descarte de peças centenárias das queijarias, hoje disputadas por antiquários e decoradores. É urgente que se decrete a finalização da guerra sanitária contra a utilização da madeira no arsenal das queijarias. O divórcio entre o queijo e a madeira é pecado capital que deve ser redimido.

Lembram-se de alguma história ou ditado que se relacione ao queijo? Poderíamos terminar com um abraço, um beijo e um pedaço de queijo.