Entrevista - Gilberto Nunes da Silva Filho

QUESTIONÁRIO: PERFIL DO ENTREVISTADO

Data: Belo Horizonte, 30/05/2003.

Nome Completo: Gilberto Nunes da Silva Filho

Idade: 43

Naturalidade: Serro

Grau de escolaridade: Segundo grau completo.

Quando e por quem foi fundada a cooperativa? Em 1964.

Quais eram e quais são os objetivos da cooperativa? Na época, eles procuravam uma melhoria de qualidade e de preço para o queijo, um maior intercâmbio entre os produtores e lucratividade melhor para o setor. Estes ainda são os objetivos da cooperativa.

A cooperativa recebe apoio de outras instituições? O nome “Queijo do Serro” é registrado? Sim. Apesar de ainda não constar do rótulo. Um dos problemas mais sérios que a gente enfrenta é a pirataria. Há queijos que trazem o rótulo do Serro, mas nem sempre são do Serro e, normalmente, são queijos de má qualidade que depõem contra a marca.

Quais são os tipos de queijo vendidos pela cooperativa? O padrão, o minas artesanal, queijo prato, o prato cobocó, mussarela, ricota. Essa é nossa linha, hoje.

Qual o seu cargo na cooperativa? Gerente de vendas.

Quando foi que começou a trabalhar com queijo? Desde criança, eu ajudava meus avós.

Quando entrou para a cooperativa qual o seu trabalho? No início, eu trabalhei como representante comercial da cooperativa. 

Como é o quadro de funcionários da cooperativa? Aqui em Belo Horizonte, nós somos 12. Temos, também, pessoal na filial do Ceasa e no Serro.

Possui uma relação das fazendas da região? A matriz da Cooperativa, no Serro, dispõe deste dado.

Sabe quais os principais produtores atuais? Eu não tenho os registros aqui. Quem produz mais queijo? Quem produz o melhor queijo? Todos os nossos queijos artesanais são identificados com o código do produtor. Nós temos alguns consumidores, alguns pontos de venda que já nos exigem certo produto, pelo código. De qualquer forma, se houver algum problema, ou uma preferência, nós temos como identificá-los. Esse controle foi lançado, há 8 anos.

O que é preciso pra ser um cooperado? A cooperativa abrange a região do Serro, Alvorada, Serra Azul, etc. Ele precisa ser da região e ser proprietário rural produtor. O pessoal da matriz do Serro pode dar melhores informações.

Quais foram as mudanças implantadas pela cooperativa na produção de queijos? Temos vários tamanhos de fôrmas. A cooperativa está trabalhando para definir um tamanho padrão. Alguma medidas estão sendo adotadas para garantir a uniformidade de sabor, a textura...

Os queijos passam por algum controle de qualidade? Com certeza há um funcionário que classifica os queijos. Há uma variação de preços, de acordo com a qualidade do queijo. Até por sugestão minha, essa classificação não deveria ficar a cargo do funcionário, e sim dos próprios fazendeiros. Entendo que seria correto nomear uma comissão encarregada de classificar. Mas isso ainda não foi viabilizado.

Os processos de produção são controlados, padronizados e/ou supervisionados? Depois do registro do queijo como patrimônio imaterial, a cooperativa, em parceria com o IMA e outras instituições, está trabalhando para conseguir o selo de qualidade. A cooperativa procura supervisionar e orientar a produção. Há, inclusive, cursos para fazendeiros, etc.

Como analisa a evolução do mercado para o queijo do Serro ao longo do tempo? O mercado expandiu, sendo BH e a RMBH os maiores centros de comercialização do do produto da Cooperativa. Ela despacha queijos, também, para a Bahia, para Rio e até para o Sul. A gente recebe ligações diversas e despacha queijo até por sedex. Um cliente de Ubá fala que o queijo artesanal de Serro, que é feito com leite cru e fôrmas de madeira, para ele é um remédio.

Como está o mercado fora de MG? E fora do país? O mercado está melhorando. Já mandamos, por exemplo, umas 3 toneladas do queijo padrão para Boston, nos EUA.

Quais são os maiores concorrentes do Queijo do Serro? É o queijo Canastra.

Existem queijos do Serro falsificados? Sim. No Mercado Central, por exemplo, algumas bancas vendem queijos de outras origens com o nome Queijo do Serro. Nós temos um selo que é da cooperativa e que garante a origem do queijo. Veja que aqui no Ceasa mesmo, numa loja que vende embalagens plásticas, pode-se encontrar o rótulo Queijo do Serro até com o número de inspeção federal. Corre-se o risco de verdadeira pirataria. Já tivemos consumidores que compraram queijos falsificados e de má qualidade, e reclamaram da qualidade do Queijo do Serro, inclusive em grandes supermercados.

Quais são as maiores dificuldades da cooperativa? Essa pergunta será melhor respondida pelo Diretor.

Qual a sua visão sobre os grandes laticínios? Particularmente, não falando em nome da cooperativa, entendo que os grandes laticínios não se importam com os pequenos produtores. Muitos deles, eu acredito, são contra a continuidade dos pequenos produtores no mercado de queijo.

Quais seriam os motivos para alguns produtores não se filiarem à cooperativa? Essa pergunta o Presidente deve responder com mais adequação. Talvez a falta de informação sobre os benefícios da cooperativa para o setor.

Como funciona o fluxo financeiro na cooperativa? Esta pergunta deve ser respondida também pelo Presidente.

Qual o perfil do produtor cooperado? Pela mesma razão deixo de responder esta indagação.

Qual o perfil da demanda do queijo do Serro? Temos clientes tradicionais, supermercados como o Via Brasil. Perdemos muito lá no Mercado Central por causa da pirataria. Temos clientes, como o de Ubá, do qual já lhe falei, que ligam, pedem o queijo e não se importam com o preço. Há um tempo atrás, acredito que o queijo do Serro era um produto mais popular. Com a crise que o país atravessa, o pessoal vem deixando alguns itens de consumo de lado e um desses itens é o queijo.

A cooperativa faz algum tipo de pesquisa de mercado? Junto ao consumidor final não, mas junto a supermercados é feita sempre. Nosso queijo chega a ser o carro – chefe, o produto mais vendido dentro desse segmento em algumas lojas.

Qual a situação do preço do queijo hoje? Hoje a gente comercializa esse minas artesanal na faixa de R$ 6,00 até R$ 7,00. O padronizado está em torno de R$ 8,00 até R$ 9,00. O nosso objetivo é que o queijo artesanal, obtendo o selo de qualidade, ultrapasse o padronizado em preço. Eu, por exemplo, prefiro o artesanal. Está valendo a pena? Eu acredito que, de uns anos para cá, temos todo um período satisfatório para o queijo do Serro. Eu sei que a cooperativa tinha perdido alguns fornecedores de leite e queijo. Hoje, eles estão querendo retornar para a cooperativa.

Por que se dispôs a falar sobre o Queijo do Serro? Antes de você nascer, eu já mexia com queijo, e continuo no ramo até hoje. Tenho um orgulho muito grande de trabalhar com queijo.

Com qual aspecto da sua vida, (família, profissão, cultura, etc...), se relaciona o Queijo do Serro? A minha vida está diretamente ligada ao queijo do Serro. Desde criança, lido com queijo. Por sorte minha, quando eu vim para Belo Horizonte procurando emprego, fui trabalhar com queijo. Em todos os lugares por onde tenho oportunidade de passar, eu comento que eu sou da terra do melhor queijo de Minas Gerais e do Brasil, com certeza.

Acha importante manter a tradição de queijo no Serro? Muito importante. O queijo do Serro carrega uma história de 300 anos.

Já escreveu sobre queijo, produziu ou participou de algum acontecimento que favorecesse a produção de Queijos do Serro? Já participei de várias feiras em BH, que não se resumem ao queijo artesanal. Eram feiras de laticínios nas quais são divulgados produtos laticínios diversos, entre os quais, o queijo do Serro.

Já produziu ou produz queijo no Serro? Sim, o artesanal. Para fazer o padrão, a cooperativa recebe o leite e industrializa.

Quais são as lembranças mais antigas e as mais marcantes relacionadas ao queijo? Eu me lembro muito de alguns fatos. Meu avô concentrava e coordenava a produção de queijos das fazendas dos filhos. Nessa época, ele não vendia os queijos para a cooperativa. Era o Demervil Nunes quem comprava a produção. Meus tios eram proprietários de fazendas próximas da de meu avô, e todos tinham que levar a produção para que ele fornecesse para o comprador. Ele tinha um zelo muito grande com o queijo: todos deviam estar iguaizinhos, do mesmo tamanho, da mesma cor. Era até bonito ver, no quarto de queijo, as prateleiras com os queijos amarelinhos, bonitos e saborosos. Ele fazia o queijo como ninguém. Meu avô materno era Mário Pires e é dele que falo. Meu avô paterno, Cristiano Gomes da Silva, entregava uma grande produção à Cooperativa.

Poderia fazer uma descrição sobre as fazendas? Traçar um mapa mental? Poderia traçar um mapa com as fazendas da própria família. Tinha a do meu avô, a do irmão da minha mãe, depois a do meu avô paterno, a dos irmãos do meu pai e assim por diante. A gente saía para encontrar com os primos, a cavalo ou de jipe rural, passando pelas fazendas.

Considera o queijeiro como uma profissão ou somente uma ocupação? Considero fazer queijos uma arte! Eu sou um apaixonado pelo queijo artesanal. Tudo o que se faz para a alimentação das pessoas deve ser feito com muito carinho, com muito amor.

O que acha da qualidade do Queijo do Serro hoje? Com certeza, a mudança de pasto é um problema. Antes, a gente tinha o capim meloso que dava um queijo de sabor inigualável. Mas há queijos hoje com padrão de qualidade tão bom quanto os de antigamente, apesar desse problema de pastagem e da mudança na dedicação dos fazendeiros. Antigamente, eles “pegavam mais no chifre do boi”. Hoje, já não se dedicam do mesmo modo. Há queijos excelentes, que são procurados por código. Um cliente da Cooperativa que tem lojas de sacolão na Rua do Ouro, na Serra e no Santo Antônio, só leva queijo de um dado código e, se ele leva outro código, sua clientela reclama. Eu acho que poderiam todos se unir e eleger o melhor queijo e seguir aquele que está sendo o melhor.

Quais os fatores contribuíram para as mudanças na qualidade do queijo do Serro? O capim meloso, por exemplo, é um capim mais frágil, que não agüenta o pisoteio do gado e por isso não fica o ano todo. Vêm, então, outras alternativas de capim. Isso influencia. Acredito, também que ração, remédio, tudo isso influencia a qualidade do leite. É claro que é necessário combater as doenças, mas, às vezes, há excesso nisso.

Acha que o queijo do Serro tem valor cultural? E muito, com certeza. É nacionalmente e mundialmente conhecido.

Já sabe que o queijo do Serro é patrimônio imaterial de MG? Sim, a Cooperativa esteve sempre na defesa do queijo, mas eu não sei como tudo aconteceu.

Qual a sua opinião sobre as mudanças no processo de fabricação do queijo artesanal para favorecer a higiene, como a exigência de uso do leite pasteurizado e dos utensílios plastificados? Olha eu acho que a higiene é importantíssima, mas o modo tradicional de fazer o produto queijo faz parte de uma história e acrescenta qualidade ao produto. Acho que tem jeito de se equacionar esse problema de higienizarão, mantendo-se a tradição do queijo.

Saberia descrever o processo de pasteurização do leite? Eu sei que o leite é submetido a uma temperatura elevada, não sei a quantos graus, e rapidamente a uma temperatura baixa. Há, também, o processo mais lento no qual se eleva a temperatura e deixa esfriar. Não sei qual é o processo utilizado pela cooperativa.

Lembra-se de alguma história ou ditado que se relacione ao queijo? História a gente sempre tem. Por exemplo, na hora que se colocava o queijo na mesa, tinha que ter alguém com coragem para dar a primeira facada. Colocava-se o queijo na mesa e todo mundo ficava olhando. O certo é que o queijo fazia parte da mesa. Por isso, tudo o que eu como tem que ter queijo. Até no pão de queijo eu coloco mais queijo.
Meu avô ficava transtornado, nervoso se acontecia alguma coisa com o queijo. Eu me lembro que criança não podia entrar no quarto de queijo. Um dia, fui pular a janela do quarto de queijo e acabei caindo dentro de um latão de leite, de cabeça para baixo com os pés para cima. Se não fosse o vaqueiro, eu teria morrido afogado. Fui retirado dali, e meu avô ainda fez o queijo. Disse que aquele foi o melhor queijo que ele já fez! Assim, a minha vida toda é um queijo só.
Tinha, também, as forminhas de bambu que a gente, criança, usava pra fazer o queijinhos, merendeiros. Pegava da mesma massa que os adultos usavam e fazia o queijinho, deixava curar enquanto tivesse paciência. Mas menino não esperava, era só o queijinho ficar pronto e a gente já comia.
Tinha também o João de Barro. A maior guerra do meu avô era com o João de Barro porque ele ia lá no quarto de queijo e furava queijo por queijo que havia na prateleira. Aí, era guerra mesmo. Colocou tela e tudo...

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