História do Serro

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A história oficial, na mesma linha de sustentação da primazia dos europeus no processo de colonização brasileira, referenciado pelas conquistas de Colombo e Cabral, registra, como marco temporal de surgimento do Serro, o ano da descoberta de ouro na região, no início da primeira década do século XVIII, no bojo da interiorização da colonização luso-brasileira.

Nas proximidades da cabeceira do Rio Jequitinhonha, às margens dos córregos Quatro Vinténs e Lucas, paulistas fincaram suas bandeiras a serviço da Coroa portuguesa, e, em 1701, a expedição chefiada pelo Guarda-mór Antônio Soares Ferreira descobriu ouro no Ivituruí, assim denominado para destacar a característica principal daquela região da Serra do Espinhaço, morro dos ventos gelados, na língua tupi-guarani.

Não obstante a prevalência dessa simplificação, não se pode olvidar que estudos abalizados, especialmente os desenvolvidos pelo dinamarquês Peter Wilhelm Lund, radicado, de 1833 até sua morte em 1880, em Lagoa Santa, e que têm merecido sistemática divulgação e análises por parte do Professor Cástor Cartelle, demonstram a insuficiência da versão tradicional.
 

Os ensinos mais complexos, sob as luzes de Lund, dão conta de que povos pré-históricos do Brasil ocuparam a região das planícies do Rio das Velhas e das encostas da Serra do Espinhaço, e que o chamado “Homem de Lagoa Santa” teria aparecido há cerca de 15.300 aC., constituindo-se em importante referência internacional para a compreensão da origem do homem, especialmente na América do Sul.
As tribos indígenas encontradas na região de Lagoa Santa, próxima às terras do Serro, faziam parte de uma civilização que dominara o Centro de Minas Gerais muito depois dos pré-históricos que habitaram o lugar.

A colonização luso-brasileira, a partir do século XVIII, encontrou essa civilização indígena, que deixou poucos vestígios, sendo certo que os colonizadores buscaram subjugar os nativos, os quais reagiam, com espírito guerreiro, às imposições, defendendo os territórios ameaçados, o que ocorreu, também, na extensa região do Serro.

Portanto, na formação do povo serrano, estão presentes os lastros pré-históricos, as influências indígenas, com realce para os Botocudos, denominação que abrangia diferentes tribos de Jês, além das heranças da colonização: notadamente, traços biológicos e culturais de europeus e africanos.

Retomando-se, contudo, o marco formal, tem-se que, com a descoberta do ouro, teria tido início o primeiro aglomerado de ranchos junto aos córregos Quatro Vinténs e Lucas, o principal núcleo minerador de toda a região serrana, o arraial de que se originou a atual cidade de Serro.

O primeiro nome do lugar foi “Arraial do Ribeirão das Minas de Santo Antônio do Bom Retiro do Serro Frio”, conforme ato de lançamento da descoberta oficial das Minas de ouro exarado em 1702. Há referências oficiosas a outras denominações como Arraial das Lavras Velhas.

Outras habitações foram erguidas nas proximidades das Minas, dando início à formação dos arraiais de Baixo e de Cima, que se desenvolveram em pouco tempo e, juntos, constituíram um núcleo urbano cobiçado. Muitos grupos de aventureiros chegaram atraídos pela abundância de ouro daquelas terras.

A exploração desordenada das Minas na primeira década do século XVIII levou a Coroa à criação do cargo de superintendente das minas de ouro da região, que teve como primeiro titular o sargento-mor Lourenço Carlos Mascarenhas e Araújo, em 1711.

O povoado cresceu e, em 29 de janeiro de 1714, em face da abundância do ouro e atendendo aos interesses da Coroa Portuguesa, foi, por ato do Governador Brás Baltazar Silveira, elevado à condição de Vila, originando-se de Sabará e recebendo a denominação de Vila do Príncipe 1.

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[1] No período colonial, além dessa, só mais uma vila foi criada: a Vila de Minas Novas, em 1730. Diamantina ou arraial do Tijuco, embora fosse o centro administrativo da Demarcação Diamantina, só foi elevada à categoria de vila em 1831.

 
Além do ouro abundante e de ótima qualidade das primeiras Minas, os mineradores descobriram lavras de diamante na região que hoje corresponde a Milho Verde, São Gonçalo do Rio das Pedras e Diamantina.

A vila passou, também, a difundir cultura e civilização para toda a região. Exploradores, artistas, políticos e religiosos passaram, então, a povoar o local.

Em 17 de fevereiro de 1720, foi criada a grande comarca do Serro Frio, sediada na Vila do Príncipe - importante centro de decisões jurídico-administrativas afetas ao amplo território de sua jurisdição - uma das mais extensas de Minas Gerais, e que abrangia o então arraial do Tijuco, hoje Diamantina, e todo o norte-nordeste da Capitania de Minas Gerais, estendendo-se até a divisa da Bahia.

Em 1725, foi criada a Casa de Fundição, para controle da exploração e comercialização do ouro da região com vistas a inibir o contrabando, que persistiu, a despeito de todas as regras impostas.

As minas foram exploradas exaustivamente, durante quase cem anos. No início do século XIX, com a decadência da mineração, somente alguns mineradores, encorajados pelo governo, conseguiam arcar com os altos custos de produção. A grande maioria da população passou a se dedicar à pecuária e à agricultura de subsistência, atividades dificultadas pela localização geográfica da Vila.

O empobrecimento das minas interferiu na vida econômica e social do lugar. Em 1817, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, em visita Vila do Príncipe, descreveu-a da seguinte forma: "Vila do Principe compreende cerca de 700 casas e uma população de 2500 a 3000 indivíduos. Essa vila está edificada sobre a encosta de um morro alongado; e suas casas dispostas em anfiteatro, os jardins que entre elas se vêem, suas igrejas disseminadas formam um conjunto de aspecto muito agradável, visto das elevações próximas." Em outro trecho relata a existência de"…duas estalagens e umas 15 casas de comércio com quase tudo importado da Inglaterra". Ainda segundo seus relatos, a vila não possuía nenhum chafariz, e o abastecimento de água era feito por escravos que traziam barris de água do vale. Não havia estabelecimentos de lazer, e a caça era a diversão, prática comum na região. Saint-Hilaire, no entanto, se encantou com a beleza das mulheres, com as igrejas e com as festas religiosas, que já eram tradição na antiga vila.

Em 1838, a vila foi elevada à condição de cidade, com posição de destaque na região e com influência na Província e no Império, justificando o status de capital do sertão mineiro, na usual expressão política.

O Serro sofreu desmembramentos de seu território, tornando-se cidade mãe de importantes municípios da região, como Diamantina.

Desenvolveu-se o comércio, e pequenas fábricas de ferro foram instaladas na cidade. O Município ganhou, também, importância política. Vários de seus filhos, como Teófilo Benedito Ottoni, líder da Revolução Liberal de 1842, Cristiano Benedito Ottoni, Simão da Cunha Pereira, João Pinheiro da Silva e Sabino Barroso, entre outros, se destacaram na vida pública. Bons casarões foram construídos durante todo o século.

A falta de modernização e de novas alternativas econômicas, contudo, fez com que a cidade perdesse, pouco a pouco, capacidade para competir no processo de desenvolvimento. O Serro não conseguiu se incorporar às redes de ferrovias, afastando-se dos novos padrões de transporte.

O isolamento do núcleo urbano ajudou na conservação do patrimônio histórico de Serro, que ainda guarda sinais da riqueza do século XVIII. Seu conjunto arquitetônico, com sobrados, Igrejas, escadarias do período colonial, é protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, desde 1938, por meio de tombamento, o primeiro no Brasil realizado pelo Instituto. O conjunto pode ser considerado um dos mais ricos do “circuito do diamante”, com destaque especial para as igrejas setecentistas.

Além do passado preservado, o Serro guarda ainda o status de ter sido berço de ilustres figuras da política, da arte, das letras jurídicas: Teófilo Otoni e João Pinheiro; Lobo de Mesquita; Mestre Valentin da Fonseca e Silva; ministros Sayão Lobato, Pero Lessa, Edmundo Lins e Sabino Barroso, entre outros.
Ainda hoje, o cenário colonial acolhe vivas tradições folclóricas, uma rica cultura representada pelas festas religiosas, pelos grupos de congados e pelos saberes populares.

Ao longo do século XX, a atividade econômica do Município concentrou-se na pecuária leiteira – grande parte do leite é usada na fabricação do Queijo do Serro. Mais recentemente, busca-se desenvolver a atividade turística com ênfase na riqueza paisagística da região e no patrimônio material e imaterial da cultura do Serro.

Entre as referências do Patrimônio Imaterial da Cultura, encontra-se o Processo Artesanal de Produção do Queijo do Serro, tradição reconhecida, em níveis estadual e nacional, por meio de registro, respectivamente, do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – IEPHA-MG – e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, neste último caso, figurando com outros queijos, como o da Canastra, Serra do Salitre e São Roque de Minas.

A vocação turística revela-se em razão das tradições, das características de seu conjunto arquitetônico, seja ainda em razão das peculiaridades da paisagem natural dos distritos de Milho Verde e São Gonçalo do Rio das Pedras, referências do eco-turismo mineiro; são notáveis, também, pelas suas peculiaridades os povoados da três Barras e Capivari, pela tranqüilidade que oferecem as suas belas serras.

 

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